Poder dos demónios sobre a matéria
Já vimos anteriormente como a
presença dos Anjos num lugar não se dá fisicamente (contacto físico), pois são
seres incorpóreos, e sim por meio da sua actuação (contacto operativo): os
Anjos estão onde actuam. Em virtude da sua natureza espiritual, eles podem
exercer a sua actividade tanto fora dos corpos como no interior deles,
conforme observa São Boaventura: “Os demónios, em razão da sua subtileza e
espiritualidade, podem penetrar em qualquer corpo e aí permanecer sem o menor
obstáculo e impedimento”. (In II Sent., Dist. 8, p. 2, a. um., q. 1, apud Mons.
C. Balducci, Gli Indemoniati, p.12.)
De um modo directo e imediato
os demónios podem produzir na matéria apenas movimentos locais, ou extrínsecos,
transferindo uma coisa de um lugar para outro, sem entretanto alterar a
natureza ou substância dessa coisa. De modo indirecto, através desses movimentos
locais, eles podem agir sobre a própria substância da matéria, ao modificar a
posição ou a quantidade dos elementos constitutivos da mesma.
Caso Deus o permitisse, os
demónios, pela sua natureza angélica, poderiam causar toda a espécie de transtornos
físicos. O Cardeal Lepicier afirma que se pode dizer que praticamente não há
fenómeno no mundo que não possa ser realizado, de um modo ou outro, pelos
Anjos; logo, também pelos demónios. (Cardeal A. Lepicier, O Mundo invisível,
pp. 74.75.) E não raro o fazem, provocando tempestades, cataclismos, incêndios
e outros desastres como também aparições fantasmagóricas, ruídos infernais e
perturbações de toda ordem.
Poder dos demónios sobre o homem
Em relação ao homem, os
demónios só podem operar de modo directo e imediato sobre aquilo que nele é
matéria, ou está em necessária dependência dela. Podem agir nas funções da vida
vegetativa, enquanto ligadas à matéria, e sobre a vida sensitiva, porque esta
depende de órgãos corporais.
No que se refere às funções
próprias da vida intelectual, os demónios só podem chegar a elas indirectamente, quer dizer, actuando sobre a parte corpórea e sobre a vida sensitiva, das quais
a alma deve servir-se para desenvolver as suas actividades espirituais. Noutros
termos, os demónios podem agir directamente sobre a parte corpórea do homem,
mas apenas indirectamente sobre sua inteligência e a sua vontade.
Conforme ensina São Tomás,
(Suma Teológico. 1-2, q. 80, a. 1-3.) o entendimento, por inclinação própria,
só se move quando algo o ilumina, visando o conhecimento da verdade. Ora, os
demónios não querem conduzir o entendimento à verdade, mas, pelo contrário,
denegri-lo como um meio de levar o homem ao pecado. Por isso, eles não
conseguem mover directamente a inteligência do homem, e procuram então influir
sobre ela indirectamente, através de sua acção sobre a imaginação, a memória e a
sensibilidade.
Os demónios não podem
tampouco alterar directamente a vontade humana, pois isto só o próprio homem ou
Deus podem fazer. Mesmo que o Maligno,
por permissão divina, se assenhore do corpo do homem e obscureça a sua mente
— como se dá na possessão — ele não pode obrigá-lo a pecar. A vontade
não participaria dos maus actos assim realizados, os quais em consequência seriam erros apenas materiais.
Para mover a vontade do homem, os demónios têm que convencê-lo, persuadi-lo a
praticar uma acção negativa, ainda que sob a aparência de uma boa.
A acção persuasiva do demónio
"O demónio não força;
ele propõe, sugere, persuade, alicia”
O demónio não tem o poder de
obrigar os homens a fazer ou a deixarem de fazer algo; por isso procura
persuadi-los para que se deixem conduzir pelo seu mal.
"Ele não os força: ele
propõe, sugere, persuade, alicia” escreve o Pe. J. de Tonquédec S.J., exorcista
e demonólogo francês. E acrescenta: “No Éden, ele deu a Eva razões para ela
transgredir a ordem divina (Gen 3, 4-5, 13); no deserto, tentou Nosso Senhor
pela atracção de uma dominação universal (Mt 4, 26-27)”. (J. de Tonquédec S.J.,
Quelques aspects de l´ation de Satan en ce monde, p. 495.)
São Tomás também se refere a
essa obra de persuasão do demónio, explicando que a vontade humana só se move
internamente por acção do próprio homem ou de Deus; externamente ela pode ser
solicitada pelo objecto que, entretanto, não força o homem a escolher o que não
quer. (Suma Teológico, 1-2, q. 80, a. 1.)
O Pe. Cândido Lumbreras O.P.,
comenta assim essa passagem do Doutor Angélico: “Que influência pode exercer o
demónio nos pecados dos homens? ... O demónio pode oferecer aos sentidos o seu
objecto, falar à razão, seja interiormente, seja exteriormente; alterar os
humores e produzir imagens perigosas, excitar enfim as paixões que podem mover
a vontade e assenhorar-se do entendimento.” (C. Lumbreras O.P., Tratado de los
vicios y los pecados — Introducción. p. 766.)
Em comentário a outra passagem de São Tomás,
explica Pe. Jesus Valbuena O.P.:
“Que os Anjos possam iluminar
e de facto iluminem o entendimento humano, é uma verdade que se atesta por uma
multidão lugares nas Sagradas Escrituras ... Também os Anjos maus são capazes
de produzir, com a sua virtude natural, falsas iluminações no entendimento dos
homens, conforme nos admoesta São Paulo para que estejamos alerta ´pois o
próprio Satanás se disfarça em luz’ (2 Cor 11, 14).
“Afirma São Tomás que nos
sentidos do homem, sejam internos ou externos, os Anjos podem influir e
agir a partir de fora e a partir de dentro dos mesmos, quer dizer, extrínseca e
intrinsecamente. Mas, em relação ao entendimento e à vontade humanas, só os podem
mover e influir indirecta e exteriormente.
Nos casos de Eva e de Nosso
Senhor, o demónio “apresentou as suas razões” tomando uma forma corpórea,
produzindo sons e articulando as palavras oralmente; em qualquer dos casos,
entretanto, o demónio, para persuadir o homem a pecar, conjuga na sua acção a
sensibilidade, a memória e a imaginação.
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